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16 Possíveis Cenários para o Futuro do Afeganistão, sua Região, e o Mundo

O grupo Talibã anunciou um novo governo de Cabul, 20 anos depois de ter sido retirado do poder pelos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Na última vez em que estiveram no controle, o Talibã foi tratado como pária internacional. A economia piorou tanto que em 2001 não havia dinheiro para comprar combustível. Os poucos carros que sobraram foram forçados a sair da estrada.

A maioria das pessoas não tinha dinheiro para geradores e os cortes de energia eram generalizados. As ruas ficavam escuras e silenciosas à noite, e durante o dia a maioria das pessoas preferia ficar em casa o máximo que podia, com medo das gangues de vigilantes do Talibã.

Ainda não se sabe como será o governo do Talibã, suas políticas econômicas e sociais, e nem que facções assumiram o poder. Porém, baseado em precedentes históricos e nos eventos dos últimos meses que levaram o Talibã ao poder, algumas previsões sobre o futuro do Afeganistãoa e da região em geral podem ser feitas.

O Talibã passou de assumir o controle de sua primeira grande cidade para chegar aos portões de Cabul em apenas 10 dias.

Mas a capital, presumia-se, seria diferente. A maioria dos observadores acreditava que Cabul resistiria até que um acordo negociado pudesse ser firmado. No domingo, 15 de agosto, tudo mudou. Em poucas horas, o presidente e seus principais funcionários fugiram. O que sobrou do exército e das forças policiais afegãs mudou de uniforme e se escondeu.

O país que tem a relação mais próxima com o Taleban é a China, que não dá o menor sinal de constrangimento. Com tantos afegãos comuns tentando fugir de seu país, sua economia parece certa entrar em colapso, como aconteceu quando o Taleban esteve no poder pela última vez, de 1996 a 2001. Portanto, o apoio econômico chinês será necessário para manter o Afeganistão à tona, e isso dar a Pequim um grau considerável de controle sobre a política do Taleban.

Também podemos ter certeza de que o Taleban não desafiará a China em questões embaraçosas como o tratamento de sua população muçulmana e uigur.

 Também interrompeu a política da Índia. A Índia injetou grandes quantias de dinheiro e conhecimento no Afeganistão e teve uma boa influência com os governos de Hamid Karzai e Ashraf Ghani – ambos queriam a Índia como contrapeso ao Paquistão. Tudo isso acabou agora.

  1. Conflitos internos entre diferentes facções do Talibã podem abalar seu governo

Já há notícias de conflitos internos entre membros do Talibã. Dias depois da formação do novo governo Talibã no Afeganistão, há alegações de que ocorreram brigas internas dentro do grupo extremista, informou a BBC.

A reportagem disse que o vice-primeiro-ministro Mullah Abdul Ghani Baradar e Khalil-ur-Rahman Haqqani, ministro e líder sênior da Rede Haqqani, estavam envolvidos em uma “grande briga” sobre a divisão do poder.

Aparentemente, a disputa centrou-se principalmente em quem fez mais para garantir a vitória militar do Taleban, a diplomacia de seus líderes no Catar ou a força militar de outros membros dentro do Afeganistão.  

Sendo assim, os líderes do escritório político do Talibã estariam se opondo a um papel mais amplo da Rede Haqqani, uma organização terrorista designada pelos Estados Unidos e em como o poder foi dividido no novo gabinete.

  1. O Afeganistão pode até sofrer uma Guerra civil entre diferentes facções

Se essas disputas por poder político se aterem a brigas verbais em gabinetes, um maior banho de sangue pode ser evitado.

Porém, com a grande quantidade de armas espalhadas pelo país, as muitas facções do Talibã, “senhores da guerra” independentes, e até uma resistência armada nas montanhas do vale de Panjshir, podem levar o Afeganistão a uma guerra civil e de facto divisão do país com diferentes regiões sendo governadas por diferentes e opostos grupos.  

  1. Afeganistão se tornará um país com 2 sistemas: um mais teocrático e outro mais moderno

Caso uma guerra civil e uma divisão do país não acontecem, o país também pode ser socialmente e culturalmente dividido em dois: as cidades de Cabul e Mazar-i-Sharif sendo governadas como cidades mais modernas, e o resto do país como teocracias mais conservadoras.

A capital Cabul tem mais de 4 milhões de habitantes e a grande maioria da sua população nasceu depois da queda do Talibã em 2001. Ou seja, essa grande população jovem nunca viveu sobre o domínio do Talibã e está acostumada com um estilo mais moderno e “ocidental” de vida.

O mesmo vale para Mazar-i-Sharif, a maior cidade no norte do país, e antiga capital da Aliança do Norte, o grupo militar inimigo do Talibã nos anos 90. Por isso, Mazar-i-Sharif sempre foi uma cidade mais aberta, que evitou ser destruída durante a guerra civil. Sendo assim, ela foi uma das que mais prosperou durante os últimos 20 anos e sua população teria dificuldades em aceitar um governo extremamente conservador religiosamente falando.

Quanto ao resto do país, sua história e cultura é muito mais associada à uma ideologia conservadora e provavelmente se adaptarão melhor ao sistema de leis e costumes do Talibã.

  1. Em algumas partes do país, o governo Talibã não será muito mais autocrático que o da Arábia Saudita, por exemplo

Muito tem se falado de quão conservador, autocrático e retrógado pode ser o governo do Talibã. Porém, é importante botar essas avaliações em perspectiva. A Arábia Saudita, um dos países mais ricos, e “respeitados” do mundo, que faz parte do G20, e para o qual as maiores potências do mundo vendem bilhões de dólares em armas todos os anos, tem características do seu governo que se assemelham muito ao do Talibã. Porém, não recebe nem de perto o mesmo nível de criticismo.

Por exemplo, a Arábia Saudita ainda usa a decapitação em praça pública como forma de punição para crimes mais graves, inclusive com crucificação.

A imensa maioria das mulheres na Arábia Saudita ainda usam de forma permanente a burqa, vestimenta que cobre todo o corpo e face, como roupa no dia a dia. Inclusive, até Junho de 2018, era ilegal para mulheres dirigirem na Arábia Saudita.

O Turcomenistão, que faz fronteira com o Afeganistão, é conhecido como a Coreia do Norte da Ásia Central com um dos governos mais autocráticos do mundo. Porém, como grande exportador de gás natural, recebe pouca atenção negativa da mídia.

Tudo isso para mostrar que, apesar do regime Talibã ser extremamente conservador e contra a maioria dos direitos humanos, eles não são únicos no mundo e muitos dos países com tradições similares não recebem o mesmo criticismo.   

  1. Parte de liderança do Talibã experimentou luxo e reconhecimento, e vai querer mais

Parte da liderança do Talibã passou muito tempo vivendo no Catar e negociando com a comunidade internacional por um acordo de paz. Durante a sua estadia no Catar, um dos países mais ricos do mundo per capita, esses líderes viverem em luxuosos hotéis, comendo do bom e do melhor.

Uma vez que alguém experimenta o luxo e poder na forma de reconhecimento internacional, é difícil se adaptar novamente a viver em cavernas sem eletricidade, esgoto, água corrente, boa comida e outros “luxos” da sociedade moderna.  

Sendo assim, essa parte da liderança do Talibã vai querer continuar tendo essas regalias e para isso, terá que ter um bom relacionamento com a comunidade internacional para manter de pé a economia do Afeganistão, recebendo investimento, e ajuda humanitária para tal.

Além disso, eles terão que ser menos conversadores em seus sermões para justificar tanto luxo e ostentação enquanto a “tropa” do Talibã fora das grandes cidades ainda vivem em casas de barro sem eletricidade e água encanada. Isso reforça a previsão no item 3.

  1. O Talibã precisará de ajuda internacional para manter a economia do país estável

Reforçando o item anterior, o Talibã precisará da ajuda internacional para a economia do Afeganistão não entrar em colapso uma vez que grande parte desta economia era sustentada por ajuda internacional em forma de investimentos em infraestrutura, comida, remédios, e suporte para reformas institucionais.

Para manter essas torneiras de ajuda abertas, o Talibã terá que se “comportar” e ser menos autocrático e rígido do que era no passado.

  1. Estados Unidos, Reino Unido, França e o “Ocidente” perderão influencia na região

Mesmo com essa necessidade de apoio internacional, o “Ocidente” perderá muita influencia no Afeganistão e na região como um todo. Sem bases militares próximas, grandes investimentos no país, e fluxo comercial, os Estados Unidos, Reino Unido, França (e a União Europeia como um todo), perderão poder e prestígio na região.   

  1. Mas os Estados Unidos ainda têm “armas” para influenciar o governo Talibã

Porém, os Estados Unidos ainda têm uma carta na manga para influenciar o comportamento do Talibã: bilhões de dólares do antigo governo de Cabul “congelados” em bancos Americanos. E esse dinheiro só será liberado se o novo regime Talibã não for de encontro aos interesses dos EUA na região… inclusive garantindo a saída segura do país aos cidadãos americanos que o queiram.

  1. As linhas do equilíbrio estratégico global foram redesenhadas

Mas mesmo com essa carta na manga, é indisputável que o equilíbrio estratégico global pendulou para o lado Chinês/Russo e para fora do lado Americano/Ocidental.

Como mencionado no item 7, e com exceção do item anterior, os Estados Unidos têm poucas alavancas para influenciar o futuro do Afeganistão e da região em geral.

Porém, os maiores “vencedores” da saída americana do Afeganistão foi a China, que faz fronteira com o país e já investe na extração de recursos naturais no Afeganistão, e a Rússia, que tem grande influência nos países vizinhos pois faziam parte juntos da União Soviética.

Além disso, alguns analistas observaram que o abandono do Afeganistão pelos Americanos pode mandar sinais negativos para Taiwan que conta com a garantia militar dos Americanos para garantir sua independência da China continental.

Inclusive, enquanto as embaixadas dos Estados Unidos, Reino Unido, França, e representação da União Europeia estavam evacuando seus funcionários, os Chineses e Russos mantiveram suas representações funcionando em Cabul, uma demonstração que esses últimos se sentem bem mais confortáveis em um governo do Talibã.

  1. A China será a principal fornecedora dessa ajuda internacional

O país que tem a relação mais próxima com o Taleban é a China, que não dá o menor sinal de constrangimento em relação a isso. Com tantos afegãos comuns tentando fugir de seu país, sua economia parece certa entrar em colapso, como aconteceu quando o Talibã esteve no poder pela última vez, de 1996 a 2001.

Portanto, o apoio econômico chinês será necessário para manter o Afeganistão à tona, e isso dar a Pequim um grau considerável de controle sobre a política do Taleban.

Por exemplo, mesmo antes da tomada de poder do Talibã no Afeganistão, altos membros do governo Chinês já estavam encontrando com membros da liderança Talibã, como no encontro entre o conselheiro de Estado chinês e ministro das Relações Exteriores, Wang Yi e o mulá Abdul Ghani Baradar, chefe político do Talibã do Afeganistão, em Tianjin, China em Julho de 2021.

  1. China ganhará importância no governo do Talibã, adicionando o país ao corredor Sino-Paquistanês

O corredor de transporte e energia entre a China e o Paquistão CPEC – “China-Paquistão Corredor Econômico” é em seu todo uma das maiores partes do gigantesco projeto de infraestrutura mundial da China, o BRI – “Belt and Road projet” ou “Iniciativa do Cinturão e Rota.”

Com a proximidade física que o Afeganistão tem à China e o Paquistão, provavelmente ele será incluso no corredor CPEC para incluir novas rotas a ele e também garantir os recursos naturais necessários para finalizar o corredor, entre eles minérios e água.

  1. Catar e Turquia ganham influência na região

O Catar foi o país que saiu mais fortalecido com o caos no Afeganistão.  Seu alinhamento diplomático com o Talibã desde 2013 pagou dividendos. O Catar permitiu que o Talibã abrisse o principal escritório internacional do grupo em seu território em 2013 e forneceu o local para negociações de paz que levaram ao acordo de retirada dos EUA.

Essa “facilitação diplomática paciente” foi um meio clássico para um pequeno estado elevar sua relevância internacional.

Nas semanas desde que os militantes assumiram o poder, mais de 58.000 dos 124.000 cidadãos ocidentais e afegãos em risco que foram levados de avião para fora do Afeganistão voaram através do Catar que facilitou junto ao Talibã as suas retiradas.

E também o Catar junto com a Turquia, enviaram técnicos para reabrir o aeroporto civil de Cabul, aumentando ainda mais sua influência no novo governo Afegão.

  1. Rússia será obrigada a trabalhar com o Talibã para proteger seus aliados da OTSC – Organização do Tratado de Segurança Coletiva

A Rússia foi mais um país que manteve a sua embaixada aberta em Cabul. Mesmo com seu histórico complicado no Afeganistão devido à invasão e ocupação soviética durante os anos 80, a Rússia está mantendo bons relacionamentos com o Talibã.

Um dos motivos pelos quais Moscou quer manter um relacionamento diplomático produtivo com o Talibã é o temor de uma expansão de um islamismo armado em países que fazem fronteira com o Afeganistão como o Tajiquistão, e o Uzbequistão.

O problema é que a Rússia tem um acordo de defesa mútua com o Tajiquistão por ambos fazerem parte do OTSC. Já o Uzbequistão faz parte da Comunidade de Estados Independentes – CEI, formada pela maioria das ex-republicas soviéticas.  

  1. A estratégia de Índia de isolar o Paquistão com a ajuda do Afeganistão falhou

Ao lado dos Estados Unidos, a Índia passou os últimos 20 anos tentando promover um sistema democrático no Afeganistão. A Índia investiu mais de US$ 3 bilhões na construção de estradas, pontes, escolas e clínicas Afegãs.

Mas a mudança de poder em Cabul quase certamente significa a perda dolorosa de uma democracia parceira em uma região amplamente hostil com os seus arquirrivais Paquistão e China se fortalecendo.

O maior medo da Índia é que o Afeganistão se torne um paraíso para militantes do Paquistão. Índia e Paquistão são vizinhos com armas nucleares e nêmeses que lutaram em muitas guerras. O Paquistão tem laços de longa data com o Talibã e há muito tempo dá refúgio a militantes que atacaram a Índia.

  1. Os Estados Unidos não farão intervenções militares e  “construção de nações” no curto e médio prazo

No curto e médio prazo os EUA evitaram projetos no exterior de “construções de nações,” os chamados “nation-building.” Essas políticas internacionais tem como objetivo construir ou estruturar uma identidade nacional usando o poder do estado em si ou por um “patrocinador” externo, como um outro país, as Nações Unidas, bancos internacionais de desenvolvimento, entre outros.

No caso aqui, eram os Estados Unidos tentando construir um Afeganistão para haver unificação das pessoas dentro do estado para que ele permaneça politicamente estável e viável no longo prazo.

Mas depois de colocarem trilhões na reconstrução do Afeganistão, e mesmo conseguido avanço em diversas áreas, o resultado final ficou muito aquém do esperado.

Sendo assim, o público Americano não terá estômago no curto prazo para gastar “sangue e tesouro” tentando reconstruir um outro país, a não ser que seja de vital importância para a segurança nacional dos EUA.

  1. Mas os Estados Unidos certamente irão intervir em caso de segurança nacional (expansão do Comunismo/China, terrorismo em solo americano, garantir segurança energética)

Mesmo com um público americano totalmente avesso a intervenções militares no momento, sua memória histórica é curta e a máquina de propaganda do governo é fortíssima.

Ou seja, no caso de uma grande agressão externa contra os EUA ou Washington tiver os seus interesses seriamente afetados no exterior – ameaça a segurança energética ou expansão do comunismo na vizinhança, o fantasma do Afeganistão será rapidamente esquecido e os EUA voltaram a intervir militarmente no exterior. Afinal, não é por acaso que os Estados Unidos ainda mantêm um orçamente militar maior do que orçamento de defesa dos próximos 11 maiores países juntos.

Sendo assim, qualquer conversa de que o poderio militar dos Estados Unidos está em decadência depois do fiasco no Afeganistão é uma ilusão. O mesmo foi dito dos EUA depois da queda de Saigon no Vietnã do Sul e a resposta todos nós temos.

3 Comments

  1. […] Após o fim dos conflitos no Afeganistão e no Iraque, houve uma queda da presença dos EUA no Oriente Médio, o que permitiu esse crescimento da influência chinesa. Esse engrandecimento ameaça as próprias relações sociopolíticas estadunidenses, israelenses e da União Europeia com a região, principalmente na retirada pacífica das tropas americanas no Afeganistão. […]

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